Você já assistiu à minissérie Adolescência, da Netflix? Se ainda não viu, prepare-se: ela vai muito além do entretenimento. A produção escancara uma realidade pouco discutida e muitas vezes desconhecida por pais, educadores e até por gestores escolares.
Sou Laís Eloy, advogada educacional, e quero conversar com você sobre o que essa obra nos ensina sobre os desafios contemporâneos da adolescência e, principalmente, sobre o papel jurídico das escolas diante de temas urgentes como bullying, violência digital e saúde mental.
Um mergulho no universo adolescente
A série chama atenção ao revelar um mundo que, embora exista diante dos nossos olhos, permanece velado: o cotidiano de adolescentes conectados a bolhas digitais, com códigos próprios, gírias e símbolos que escapam à compreensão dos adultos.
É chocante, principalmente, porque mostra a complexidade da vida escolar além dos muros da instituição. Questões como sexualidade, bullying, cyberbullying, autoimagem, transtornos alimentares, exclusão, misoginia e radicalização aparecem com força todas atravessadas pela relação entre alunos, professores e famílias.
Ao contrário dos memes sobre “gerações diferentes”, a série não trata o comportamento adolescente como uma piada. Ela nos convida a refletir sobre os impactos reais e sérios de uma adolescência vivida sob a influência de redes sociais, comunidades tóxicas e linguagem cifrada.
Emojis com mensagens perigosas
Na série, certos emojis funcionam como símbolos de ideologias e movimentos que propagam discursos de ódio. Exemplos como o da pílula vermelha (🔴💊), bomba (💥) e até o feijão (🫘) aparecem como códigos entre adolescentes para temas como misoginia, incelismo e rejeição feminina.
Essas “brincadeiras” são, na verdade, comunicações sutis e preocupantes. Na minha atuação profissional, já vi casos de escolas lidando com situações graves que nasceram nesses espaços digitais: Reddit, Discord, X (antigo Twitter) e fóruns com hashtags como #borboletana ou #edtwt (eating disorder twitter), que promovem distúrbios alimentares e comportamentos autodestrutivos.
O dever legal das escolas
É fundamental entender que não estamos falando de algo opcional. A legislação brasileira impõe responsabilidades claras às instituições de ensino. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a LDB e leis específicas como a Lei nº 13.185/2015 (Programa de Combate à Intimidação Sistemática) e a recente Lei nº 14.811/2024 (que criminaliza o bullying e cyberbullying) colocam as escolas no centro da prevenção e da resposta a essas situações.
A omissão pode, sim, gerar responsabilidade civil. O Código Civil, em seus artigos 186 e 927, estabelece que quem causa dano a outro é obrigado a reparar. E, considerando que a relação escola-família é de consumo, essa responsabilidade é objetiva ou seja, independe de culpa.
Já vimos condenações que ultrapassam os R$ 90 mil, inclusive por ocorrências que começaram fora do ambiente escolar, mas se manifestaram dentro dele.
Se emojis são usados entre alunos para disseminar ódio, e a escola não age, ela pode ser responsabilizada judicialmente.
A importância de protocolos e formação continuada.
Sempre reforço nas minhas palestras: formar a equipe escolar é essencial. É preciso treinar professores e funcionários para identificar sinais de violência, agir preventivamente, acolher vítimas e criar estratégias educativas. Isso inclui:
🟢Procedimentos internos bem definidos;
🟢Envolvimento das famílias;
🟢Campanhas de conscientização;
🟢Adoção de medidas pedagógicas, não apenas punitivas.
Sanções disciplinares, por exemplo, precisam ter propósito educativo. A Lei nº 13.185/2015 orienta que as escolas priorizem a responsabilização construtiva. Talvez dois dias de suspensão não façam tanto efeito quanto assistir a um documentário com os pais e refletir sobre ele em um texto.
Desafios e responsabilidades no ambiente escolar
Vivemos uma era em que crianças e adolescentes enfrentam pressões estéticas, sociais e emocionais a partir da palma da mão. Isso exige da escola um compromisso real com a formação integral dos alunos e não só no campo do conhecimento acadêmico, mas também no desenvolvimento ético, emocional e social.
Essa é uma obrigação legal, mas também um dever moral. Afinal, formar para a cidadania e para o trabalho, como determina a LDB, exige muito mais do que apenas transmitir conteúdos.
Sim, é uma tarefa desafiadora, muitas vezes solitária. Mas ignorar essa realidade é permitir que a violência silenciosa continue crescendo nos corredores, nas salas de aula e, cada vez mais, nas telas dos celulares.
A urgência do diálogo
A adolescência sempre nos exige escuta, empatia e ação. Cada geração traz seus próprios desafios, e o nosso papel é garantir que a escola seja um ambiente seguro, preparado e consciente do seu dever diante da sociedade.
Portanto, que essa minissérie seja mais do que uma produção marcante da Netflix. Que ela sirva como ponto de partida para reflexões e mudanças reais nas nossas práticas educacionais.
Estou aqui para ajudar escolas, famílias e educadores nesse caminho. Contem comigo!